O presente artigo versa sobre os olhares do Poder Judiciário em relação à prática do crime de tortura, por agentes públicos e privados, de acordo com julgamentos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O estudo acontece por meio da análise de 92 decisões tomadas pelo Tribunal nos anos de 2009 até 2013. Buscamos observar os fundamentos (jurídicos) das decisões de recursos de apelação criminal, em que se discute o mérito do crime de tortura, para verificar se existe diferença na aplicação da Lei de Tortura em razão de o agente denunciado ser público ou privado, e quais fatores influenciam para essa aplicação diferenciada da lei. Apresentamos a transformação e o conceito do crime de tortura, tanto no Direito internacional, quanto na legislação brasileira e, após, os julgados, mais relevantes, são descritos e analisados. Assim, percebemos que existe diferença na aplicação da lei pelo Poder Judiciário, com maior punição para os agentes privados do que para os públicos, bem como que essa diferença acontece em razão da ampliação do conceito de tortura realizado pelo legislador brasileiro, que vulgarizou o termo e tipificou a conduta como crime comum. Para compreensão total do fenômeno, devemos considerar ainda as características do sistema penal brasileiro, que é estamental e seletivo. Assim perpetuando um modelo penal clássico, permite que agentes públicos cometam ilegalidades.
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